O projeto Diversidades integra o Programa de Inclusão e Diversidade e tem como objetivo difundir a cultura inclusiva e o conceito de diversidade como valor, por meio de uma série de documentários nos quais os protagonistas compartilham informações e experiências significativas em torno do tema. Além disso, o material acompanha um conteúdo textual produzido pela consultora Anna Castanha, da Fagos Projetos Especiais, que contextualiza e apresenta conceitos contemporâneos, a fim de nortear a nossa prática diária, bem como a adoção de atitudes inclusivas alinhadas aos princípios e valores do Senac.
Nessa primeira edição, Diversidades apresenta uma perspectiva a respeito do tema Gênero e Sexualidade, trazendo dois convidados:
Daniel Camargo é docente do Programa Aprendizagem do Senac São Paulo e multiplicador das ações de formação do Programa de Inclusão e Diversidade, dentre elas, o Diálogo Gênero e Sexualidade.
Possui graduação e licenciatura em Letras, Pedagogia e Direito Homoafetivo e de Gênero. Atualmente, é Mestrando em Educação, com pesquisa em andamento sobre o Programa de Inclusão e Diversidade do Senac São Paulo.
Wallie Ruy é docente em Interpretação de Teatro/TV/Rádio do Senac São Paulo, atua como multiplicadora das ações de formação do Programa de Inclusão e Diversidade, dentre elas, o Diálogo Gênero e Sexualidade.
Graduada em Artes Cênicas pela UFOP é Atriz-Atroz-Atuadora-Atuante nas artes da cena, no cultivo sem fronteiras da vida, anárquica, encarnando diariamente as possessões y paixões humanas, forjando sua vida-carreira no teatro, cinema e na televisão.
Desde o momento em que nascemos — ou antes, já que os avanços tecnológicos nos proporcionaram a ultrassom obstétrica —, nossa subjetividade é demarcada a partir dos órgãos genitais que desenvolvemos durante a gestação: “é menino ou menina?”.
Quando o médico revela qual o sexo do feto, toda uma expectativa recai sobre esse indivíduo que ainda não nasceu. Caso o exame revele que é uma menina, a família pode imediatamente imaginar que está se formando uma linda princesinha frágil e delicada. Mas se revelar um menino, a família sonha desde já com um príncipe guerreiro forte e viril.
Hoje, entendemos que sexo, orientação sexual, gênero, identidade de gênero e papel de gênero são questões que envolvem a subjetividade do ser humano, mas que uma não necessariamente influencia a outra e que muito é definido pelo contexto sociocultural.
Assim, a partir da apresentação desses conceitos e do relato das experiências de uma pessoa transexual, faremos uma mergulho nesse universo, considerando que ele tem relação com o cotidiano e a vida de todos nós. Vamos lá?
O conceito de gênero foi proposto, pela primeira vez, pelo psicanalista Robert Stroller, em 1963. Ele demonstrou que existe uma diferença entre natureza e cultura para classificar os indivíduos em homem e mulher. Para Stroller:
Para começar, o infográfico apresenta os conceitos que estudaremos a seguir:
Clique no player para assistir a um vídeo sobre essas definições.
Agora, vamos conhecer cada um desses conceitos detalhadamente.
É a forma como o indivíduo se reconhece: homem ou mulher ou até mesmo nenhum dos dois, como é o caso dos agêneros. A seguir, veja algumas denominações utilizadas.
Quando a pessoa identifica-se com o gênero que lhe é designado no nascimento. Por exemplo: a pessoa nasce com pênis e se reconhece como homem.
O prefixo trans significa “além de”, “através de”. Portanto, o termo “Transgênero” remete ao fato das pessoas transgredirem as normas de gênero definidas pela cultura, ou seja, estão além do masculino e feminino. Esse termo contempla também travestis, transexuais, não binários, entre outros (SEXO SEM DÚVIDA, 2018). É o termo que contempla todas as identidades “trans”, como um grande guarda-chuva:
Quando a pessoa identifica-se com o gênero oposto ao que lhe é designado no nascimento. Por exemplo: a pessoa nasce com pênis, porém se reconhece como mulher.
Antigamente, o termo "travesti" era usado para se referir às mulheres transexuais que não sentiam a necessidade de passar pela cirurgia de redesignação sexual. Hoje, a diferença entre travesti e transexual é meramente socioeconômica e política.
A Travesti ainda carrega o estigma da prostituição e da pobreza por não ter condições financeiras de arcar com a hormonioterapia e adequar seu corpo aos padrões da feminilidade. Já a Transexual é aquela que conseguiu ascender socialmente e é tratada como mulher transexual, sendo este considerado pelos movimentos de militância um termo "higienizador".
O termo cis foi criado para evitar o seguinte tipo de situação:
“Eu sou “normal” e ele é transexual”.
Refere-se a quem o indivíduo se atrai afetiva e sexualmente, portanto, não tem nenhuma relação com a identidade ou o papel de gênero. Não é possível presumir que um homem (identidade de gênero) afeminado (papel de gênero) seja gay (orientação sexual) apenas porque não se comporta de acordo com as expectativas sociais vigentes. A seguir, alguns tipos de orientação sexual:
Os termos "opção" e "escolha" não devem ser usados para se referir à orientação sexual. Da mesma forma que uma pessoa heterossexual não optou ou escolheu sentir-se atraído ou apaixonar-se por alguém do gênero oposto, gays, lésbicas, bissexuais e pansexuais não escolhem gostar de alguém do mesmo gênero.
Relaciona-se à biologia do indivíduo (órgãos genitais, hormônios sexuais etc.). Na natureza humana, encontramos o pênis (macho), a vagina (fêmea) e o caso do intersexo, cuja genitália é ambígua (pode ter desenvolvido completa ou parcialmente órgãos genitais masculinos e femininos).
Comportamentos masculinos e femininos esperados culturalmente em uma determinada sociedade.
Por exemplo, no Brasil existe a expectativa de que homens gostem de futebol e sejam mais impositivos, enquanto mulheres sejam delicadas e sonhem em se casar.
Um desses estereótipos refere-se ao uso das cores: azul para homens e rosa para mulheres. Não existe uma conexão psicológica ou biológica que justifique essa suposta “escolha”. Trata-se de um consenso criado arbitrariamente ao longo da história e rearranjado pelo marketing:
Fonte: PAOLETTI, J.B. Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America. Indiana University Press, 2012
O papel de gênero inclusive pode determinar o papel da pessoa na sociedade. Ao longo da história, as mulheres tiveram seu espaço subjugado e cerceado pelo masculino, sendo tratadas como seres mais frágeis, dependentes e com menos direitos sociais.
O gênero feminino teve o seu papel reconhecido socialmente apenas enquanto mãe e esposa e, mesmo no lar, o homem é a autoridade, pois é dele a responsabilidade de sustentar a família, detendo, assim, o poder econômico familiar. Enquanto a mulher, por não trabalhar fora, dependia economicamente do homem, justificando, assim, muitas vezes, a sua subjugação e sua suposta incapacidade biológica de ocupar os espaços dominados pelo homem.
Conheceremos, agora, a Carol e o Paulo. Preste atenção na linguagem e termos utilizados na história:
O sexo biológico de Miguel é masculino.
Entretanto, Miguel passou a se definir como Carol.
Dessa forma, Carol é uma MULHER TRANS.
ELA namora a Bia.
ELA é homossexual, pois, sente atração por
uma pessoa do mesmo gênero uma vez que
ela se identifica como uma mulher trans.
O sexo biológico de Juliana é feminino.
Entretanto, Juliana passou a se reconhecer como Paulo.
ELE é um homem trans.
Utiliza-se sempre o pronome ELA para se referir a Carol, pois, sua identidade de gênero é feminina.
E ELE para Paulo, pois sua identidade de gênero é masculina.
Na dúvida, sempre pergunte para a pessoa como ela quer ser chamada.
Originados na Europa, na década de 1960, os movimentos em defesa das pessoas homossexuais foram criados com o objetivo de reconhecer os direitos, garantir a igualdade e combater o preconceito contra gays e lésbicas. Inicialmente, o movimento foi identificado pela sigla GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Ao longo do tempo, as siglas acolheram mais públicos numa tentativa de contemplar outras existências vítimas de preconceito.
Essa sigla foi muito difundida por dar visibilidade as minorias sexuais. No entanto, ela é excludente, pois não identifica as pessoas bissexuais, travestis e transexuais.
A sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros) está associada à esfera política e militante. Sendo assim, encontra-se em constante variação graças à busca de outras minorias sexuais por maior representatividade, como por exemplo os Intersexuais (I), “Queers” (Q), Pansexuais (P) e Assexuais (A). Nesse sentido, também é possível observar a sigla LGBTQ+, pois o símbolo + permite considerar outras possibilidades de identificação.
Como as pessoas são únicas assim como suas identidades, as siglas estão constantemente mudando para que todos se sintam representados. Já ouviu a sigla TLGBQIA+? Confira, no vídeo, a seguir uma explicação detalhada sobre ela.
A partir do século XIX, com o pensamento positivista, a medicina começa a classificar os corpos e a sexualidade dentro daquilo que conceitualmente foge à norma. A norma, então, era a de que as pessoas nascem com uma determinada genitália e, segundo esta, um gênero lhe é designado. E, segundo este gênero, o indivíduo tem seu papel marcado dentro da sociedade.
Quem nasce fêmea, portanto, deve ser mulher e quem nasce macho, é o homem. Aqueles que fogem à norma são considerados desviados, invertidos, então doentes.
Partindo da premissa de que o significado de ser homem ou mulher depende da sociedade na qual você está, patologizar a condição de alguém que não se identifica com o gênero correspondente ao seu sexo biológico é utilizar a medicina como ferramenta para justificar a transfobia.
Sendo assim, criou-se um movimento pela despatologização da transexualidade que conquistou alguns avanços como, por exemplo, a retirada da transexualidade do capítulo de doenças mentais do Código Internacional de Doenças (CID). Essa alteração propõe uma mudança significativa para os profissionais da saúde que entendiam a transexualidade como doença.
O que isso significa na prática? Confira no vídeo a seguir.
A aparência pode influenciar diretamente no cotidiano de uma pessoa transexual. Tanto que foi criado até um termo para isso: passabilidade.
Esse conceito refere-se à capacidade de sujeitos transexuais passarem por sujeitos cisgêneros ao adquirirem o máximo de características físicas e sociais que os façam ser reconhecidos como alguém do gênero com o qual se identificam. É importante considerar que nem todas as pessoas transexuais querem ou podem se ajustar aos padrões associados ao conceito de passibilidade. No entanto, observa-se que se trata de um posicionamento que visa afastar a discriminação social e a transfobia à medida que a condição da transexualidade não é revelada por meio da aparência.
O vídeo a seguir apresenta uma reflexão sobre o assunto bem como sua influência na utilização do banheiro por pessoas transexuais. Não deixe de assistir!
Apesar da temática ser discutida atualmente, o preconceito ainda é vivido cotidianamente por pessoas transexuais.
Violência física, verbal, acesso proibido a serviços ou locais, por exemplo, fazem parte de sua rotina e começam, muitas vezes, dentro de sua própria família. Isso se reflete na redução de sua expectativa de vida em metade da média nacional, conforme o gráfico a seguir:
Fonte: Senado Notícias (2017).
Os vídeos a seguir apresentam um depoimento sobre a relação das pessoas transexuais com o mercado de trabalho. Wallie e Daniel também contam um pouco sobre como se relacionam com suas famílias.
O Senac reconhece e garante todos os direitos das pessoas da comunidade LGBT+ no que diz respeito às questões legais e valores institucionais, como por exemplo, utilizar o banheiro do gênero com o qual se identificam.
O mesmo acontece com a adoção do nome social por parte de pessoas transexuais que também é um direito garantido por lei e deve ser respeitado por toda comunidade escolar.
Caso tenha dúvidas sobre como se referir a uma pessoa transexual, pergunte como ela gostaria de ser chamada.
(Artigo 6º da resolução nº12 de 16 de janeiro de 2015 do conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays,Travestis e Transexuais – CND/LGBT).
Confira, nos vídeos a seguir, como essas questões afetam o cotidiano das pessoas transexuais.
Alunos e funcionários, inclusive terceirizados, devem ser convidados ao diálogo sobre a legislação e a construir o entendimento sobre os valores de inclusão que regem essa instituição educacional.
Para finalizar, é importante refletir sobre o quanto a transfobia está ligada às próprias questões de gênero da nossa sociedade: clique no play para ouvir um depoimento sobre isso.
Gostaria de ouvir o depoimento da Wallie e do Daniel na íntegra? Clique no player a seguir: