Você já ouviu o termo “branquitude”? A palavra “branquitude” diz respeito a um lugar de vantagens simbólicas, subjetivas e materiais disponíveis para as pessoas que são identificadas como brancas em uma sociedade onde o racismo é estrutural. A essas vantagens se dá o nome de “privilégio”.
Afirmar que algumas pessoas possuem privilégios por serem brancas não significa que essas pessoas tiveram uma vida fácil, que nasceram em berço de ouro ou que também não enfrentam suas dores, problemas e lutas cotidianas. Privilégio racial não quer dizer que pessoas brancas nunca tiveram traumas, problemas e que não tenham passado por uma série de dificuldades para viver. Significa apenas que, entre todas as dificuldades vividas, para parte da população a cor da pele não foi uma dificuldade a mais a ser superada.
Branquitude não é só sobre a cor da pele. Observando a imagem abaixo, que faz parte de um projeto que tenta catalogar todas as tonalidades de pele humana, vemos que as duas mulheres são categorizadas com o exato mesmo tom de pele. No entanto, qual delas você diria ser uma empregada doméstica, uma pessoa pobre ou “menos bonita”?
Fotografias do projeto Humanæ, de Angélica Dass. A fotógrafa vem catalogando os diferentes tons de pele humanos e os encaixando na paleta de cores da Pantone®.
Para saber mais sobre o projeto Humanæ, de Angélica Dass, e ver mais tons de pele, acesse os links a seguir:
A régua que mede a branquitude considera o fenótipo e a quantidade de traços que fazem uma pessoa ser mais ou menos estigmatizada. Quanto mais se é próximo do padrão branco, menos os efeitos do racismo serão sofridos, e mais se tentará apagar a identidade negra do sujeito. A isso damos o nome de colorismo.
Para saber mais sobre colorismo e sobre como ele torna o racismo mais duro para os negros de pele mais escura, acesse os links a seguir:
A histórica associação do negro com a criminalidade, o perigo e a degeneração se manteve em todos nós, inconscientemente. Quando alguém conta que foi assaltado e tentamos reproduzir a cena em nossa mente, raramente o assaltante que imaginamos é um rapaz branco de olhos azuis. Nossa imaginação provavelmente irá construir a figura de um rapaz com roupas, acessórios, linguajar e cor muito bem delimitados, pois essa é a figura que nos é apresentada como perigosa em nossa formação. Essa construção tem impacto direto na reprodução da violência cotidiana. Os casos a seguir nos ajudam a entender o alcance dessa construção.
Manchete: Jovem que mora em Florianópolis está presa na Itália por transportar 3,2 kg de cocaína, diz Polícia Civil. A palavra “Jovem” está destacada. Manchete: Polícia prende quatro em Bauru por produzir e vender drogas em área nobre. O termo “’área nobre” está destacado. Manchete: Policiais matam homem por confundirem guarda-chuva com arma. A frase “confundirem guarda-chuva” está destacada. Manchete: Adolescente morre baleado no Borel após PMs confundirem pipoca com drogas, diz família. A frase “confundirem pipoca com drogas” está destacada.
Quantas vezes você leu uma notícia sobre um jovem branco executado do mesmo modo? Por que confusões desse tipo acontecem majoritariamente com pessoas negras e nas periferias?
As suspeitas, a presunção de perigo, a punição e a execução de pessoas negras permanecem, pois têm como base suposições inconscientes sobre quem são e os danos que podem vir a cometer. Diversas notícias nos mostram como a tolerância com a violência contra brancos é menor quando comparada àquela praticada contra negros. Observe os exemplos a seguir:
Manchete: Idoso é flagrado roubando produto em supermercado; Ladrão pediu desculpas após roubo. A frase “ Ladrão pediu desculpas após roubo” está destacada. Manchete: Mulher desobedece a ordem de parada da PM, é perseguida por 5 km e bate em 3 carros no Rio. A frase “é perseguida por 5 km” está destacada. Manchete: Adolescente é despido, amordaçado e chicoteado por furtar chocolate. A frase “despido, amordaçado e chicoteado” está destacada. Manchete: Militares atiraram mais de 200 vezes em ação que terminou com morte de músico e catador. A frase “atiraram mais de 200 vezes” está destacada.
Todo dia, devido a essa realidade, jovens negros perdem a chance de estudar, ocupar vagas no mercado de trabalho e mostrar sua criatividade, suas ideias e sua potência. O racismo autoriza a manutenção dessa realidade e permite que continuemos vivendo nossas vidas sem perceber que nossas falas, apagamentos, ofensas e relativizações cotidianas também fortalecem toda a visão negativa e a precarização em torno do negro. As pessoas negras que aparecem nessas matérias poderiam ser seus colegas de trabalho, alunos, amigos, familiares; poderiam criar novas políticas, tecnologias, obras culturais e deixar um legado para nosso mundo, porém, essa chance lhes foi tirada.
Repensar nossas práticas e adotar o antirracismo como bandeira do cotidiano é urgente e é uma tarefa de todos nós. Significa trabalhar para que possamos garantir um futuro mais justo e uma vida digna para milhares de pessoas que hoje possuem baixas perspectivas e têm vidas em risco apenas por serem negras.